O espírita não chora!? Imprimir
Escrito por Administração   
Ter, 15 de Fevereiro de 2011 15:14

O filho mais novo de Helena e Lauro fora morto num tiroteio entre policiais e assaltantes. Passado um mês da trágica ocorrência, o casal recebe a visita de duas amigas, Araci e Cleide. Araci tenta consolar Helena, que se apresenta bastante abatida.

- Minha amiga! Não chore mais! Afinal, você é espírita! Não é?

- Araci tem razão, Helena! Você sabe que o Júnior não morreu!

- A Cleide lembrou bem, amiga, o seu filho não morreu. Ele vive!

E Cleide enfatiza:

- A nossa Doutrina comprova essa verdade, Helena!

- Mas, minhas amigas, a separação dói! Machuca!

Araci, entusiasmada, não perde tempo:

- Você tem condições de superar essa dor, amiga!

Cleide complementa:

- Você sempre foi forte, Helena!

Araci, novamente, argumenta:

- A Doutrina, companheira, te fez uma pessoa em condi-ções de superar dificuldades dessa natureza!

E Helena, sentida, fala:

- Não é bem assim, Araci! Tenho convicção espírita, porém o que sinto é verdadeiro! É real a falta que sinto do Júnior!

- Ouça um CD de músicas espíritas, para mudar o astral, amiga!

- Realmente, não sinto vontade alguma! O vazio que sinto, no momento, a música não preencherá!

Nesse instante, algumas lágrimas rolam pelas faces de Helena. E Araci exclama:

- Não, Helena, não chore! Viemos aqui para que você se distraia!

Cleide acompanha:

- Todo o pessoal do centro está convicto de que você, Helena, superará essa prova galhardamente, com louvor! Não é mesmo, Araci?

- É isso mesmo! Helena sempre deu mostras de ser uma pessoa bem trabalhada pela doutrina!

- Mas, minhas amigas, há uma dor real: a falta do Júnior! Não posso fingir que está tudo bem! Ainda estou catando os cacos de mim mesma, para, com o tempo, poder me recompor por inteira!

E Araci sentencia:

- Enxugue essas lágrimas! Espírita não chora, minha amiga!

- Pois, então, não me posso arvorar em espírita! A saudade do Júnior me faz vir lágrimas aos olhos. Há ainda o fato de a desencarnação dele ter sido tão trágica! Dói-me a alma!

- É a Lei de Causa e Efeito, amiga! Você conhece de sobra tudo isto! Conhece a doutrina mais que ninguém! - volta Araci a argumentar.

E Cleide se esforça para consolar Helena:

- Os seus protetores espirituais não faltarão com seu am-paro e ajuda, Helena!

- Entendam bem que minha confiança em Jesus não mudou! Nem nos meus protetores! A minha crença nos princípios doutrinários está mais firme que nunca! Só que passei por uma experiência difícil, que me dilacerou a alma!

Aí, Araci sugere:

- Então, Helena! Se quiser podemos levá-la ao cinema ou ao teatro!

- Nada disso, Araci! Compreendo seu desejo de me ajudar, porém ainda não me sinto adaptada à nova situação, para que possa atender a esse convite!

E Cleide se coloca à disposição da amiga:

- Mas, saiba, Helena, que estaremos a postos para acompanhá-la a qualquer atividade que possa distraí-la!

Araci, aí, finaliza a conversa:

- Voltaremos na semana que vem!

Após se despedirem, Araci e Cleide se retiram da casa de Helena, convictas de que colaboraram para mudança do seu astral, como afirmaram!

Logo depois, Lauro chega do trabalho.

- Olá, querida! Como passou o dia?!

- Relativamente!

- Devagar vamo-nos envolvendo novamente com as atividades do dia-a-dia. No meu caso, o trabalho na empresa tem função terapêutica. Ele me convoca a sair de mim mesmo, por instantes que sejam! E isto me alivia!

- O meu dia-a-dia é na vida do lar! E isso, Lauro, me torna mais vulnerável, pois sinto, a toda hora, falta do envolvimento direto que tinha com o Júnior.

- O tempo, meu bem, é o nosso grande remédio!

- Araci e Cleide estiveram aqui!

- Que bom! A companhia dos amigos sempre ajuda nesses momentos!

- De certa forma sim, Lauro! Porém, elas têm uma forma de pensar a que não me adapto muito. Não posso afirmar que a visita me fez bem!

- Em que sentido não lhe fez bem a visita?!

- Elas acham que, por ser espírita, não devo e não posso chorar!

- Que é isso?!

- A Araci chegou a afirmar que espírita não chora!

- Espírita insensível, Helena, realmente, não tem como chorar!

- Estou até questionando as minhas convicções espíritas, marido!

- Que é isso, Helena?! Você é espírita e muito convicta, meu amor!

- Sinto muitas saudades do Júnior! Os outros dois passam praticamente o dia inteiro fora, mas ele esteve sempre mais em casa!

- Acho que não deve se cobrar tanto, Helena, pois, além da falta do nosso filho, há o fato da trágica morte que teve!

- Isso também me atormenta muito, Lauro!

E Helena prossegue:

- Quando falei na morte trágica do Júnior, que, de certa forma, piora o quadro, a Araci, de pronto, falou na Lei de Causa e Efeito, lembrando-me de que, como espírita, devo conhecer bem!

- A morte do nosso filho, Helena, está nos maltratando não só pela falta que sentimos dele, como pela forma brutal como foi morto!

- Quando me lembro disso, me vem uma revolta grande, Lauro, incompatível com a doutrina que adotamos!

- Mas muito compatível com o nosso estágio evolutivo referenciado pela doutrina. Não se cobre tanto, meu amor!

- Que bom ouvi-lo, meu bem! Isso me acalma! Já estava me considerando indigna de ser espírita!

- É falsa a idéia de que espírita não deve chorar! Não podemos, a título de superioridade que não conquistamos, sufocar sentimentos e emoções! Esses sentimentos e emoções represados, contidos, mais tarde se apresentarão, fatalmente, num quadro patológico!

- Suas palavras me confortam muito! Sinto-me melhor! A visita de Araci e Cleide me deixou muito angustiada!

- Devemos viver essa nossa dor tentando tirar dela o melhor proveito para o nosso aprimoramento! Inclusive, para testarmos o nosso amor pelo Júnior!

- Não quero fazer apologia do sofrimento, Lauro! Mas, também, não posso esconder o que sinto!

- Viver a dor e aprender com ela não é fazer apologia do sofrimento, Helena! Aqueles que não a vivem, como aprendizado, é que, de forma convencional e superficial, fazem dela um modo excêntrico de viver!

- Isso seria auto-piedade! Não acha, Lauro?

- Também penso assim!

- O que não é o nosso caso!

- É claro que não, Helena! A campainha toca! São os outros dois filhos do casal!

E os quatro, ainda recolhendo os escombros do ocorrido, se entretém em conversa que faz pressupor um futuro saudável de conquistas a realizar!


Boletim de Maio/2003
Última atualização em Qui, 12 de Maio de 2011 15:15